quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Capitulo I (C)

Talvez não fosse somente a vontade de medir o tempo que me atraiu o olhar para as traseiras do balcão. O meu modesto nariz também seguia naquela direcção, até um aroma refinado que vagamente pairava na memória como uma boa recordação de outrora que não consegui localizar naquele instante. Atrás do balcão ficava a porta para a cozinha. Pelo curto ângulo de visão que tinha daquele local onde estava sentada, podia ver a azáfama com que cozinheiras, ajudantas e serventes lançavam pratos, frutas, carnes, arroz, tudo numa dança aparentemente aleatória mas que resultava numa bandeja digna do manjar dos Deuses. Aquele aroma misterioso alargava ainda mais o buraco do meu estômago que agora só poderia igualar-se ao buraco da camada de ozono. Tentei em vão lembrar-me daquele néctar dos sentidos até que finalmente, não pelo cheiro, mas pela côr beje-mármore daquele último prato que saia do balcão. As escassas raspas brancas que cobriam aquele requintado prato não deixavam dúvidas ao pior dos olfactos: um desejo imenso de saborear aquelas trufas acabadas de sair invadiu-me e foi a muito custo que resisti a deter o servente e provar. dizem que as trufas são os diamantes da cozinha, e com razão. Enquanto franceses e italianos discutem qual será a melhor das trufas: a negra de Perigord na França ou a branca de Alba em Itália, todo o mundo se vai regalando com esta iguaria da família dos cogumelos.
Voltando a assentar os pensamentos, lembrei-me do preço exorbitante daquele condimento. Comecei a questionar-me como seria possível uma churrasqueira modesta de praia elaborar tão requintado prato que eu havia provado somente uma vez num jantar de luxo quando fui representar a minha empresa a Itália, um jantar que certamente teria esvaziado a minha conta bancária.
Foi então que o meu nariz, acompanhado pelos olhos, seguiu aquele prato nas mãos leves e desenrascadas do servente, até pousar docemente num canto da sala.
- Voilá Monsieur...

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