quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Capitulo I (D)

- "Voilá Monsieur... bonne apetit!"
- "Merci" - proferiram em uníssono dois dos três ocupantes daquela mesa, sem retirarem os olhos da travessa como se ela fosse voltar para trás ou pudesse fugir.
Numa primeira análise julguei tratarem-se de turistas franceses que aproveitavam aquele início de verão para gozar o sol da Costa da Prata. No entanto a cor de pele terra e a barba por fazer indiciava tratarem-se de magrebinos. Estavam bem vestidos, com fatos e camisa branca, e um lenço preto à volta do pescoço. Mas foi precisamente o contraste da pele pálida da mulher loira e calada que ocupava também o certame gastronómico, que me despertou a atenção. Manteve-se em silêncio quase todo o jantar e a sua indiferença relativamente a tudo o que lá se estava a passar era gritante já que o seu rosto pensativo e olhar fixante no horizonte a levava para distantes paragens do local onde se encontrava. Era uma mulher bonita, loira de pele branca ainda não acastanhada pelo sol. Trazia um vestido preto de decote pronunciado que evidenciava os peitos rijos e desprendidos de qualquer suporte artificial. O cabelo longo e encaracolado caía sobre os ombros nus. Ao longo destes 10 anos aprendi a reparar em todos os pormenores e agora não me consigo desprender deste reflexo, quase instinto da minha sobrevivência e que tão bons frutos deu no passado. A cena que se estava a passar naquele restaurante era minimamente estranha.
Entretanto vi a minha observação interrompida pelo mesmo empregado que há pouco transportava a travessa quente.
- “Boa noite minha senhorra, parra hoje à noite temos duas sugestions: vitelinha ou pargo grelhado…”.
Quase nem ouvi as opções porque a minha atenção continuava concentrada na mesa do fundo e na mulher loira que agora se levantava e dirigia para os toilletes….
- “Minha senhorra…”. Insistiu o empregado certo de que eu não o estava ouvir.
- “Sim claro. Desculpe. Estava distraída mas pode-me trazer o peixinho está bem”.
- “E parra beber?”-replicou o empregado
- “Traga-me uma garrafa de água de meio litro fresca”. O calor apertou durante o dia e precisava de repor os líquidos perdidos.
- “Com cerrteza minha senhorra… É parra já” Abandonou diligentemente a mesa em direcção ao balcão e a cozinha ordenando o pedido.
Notei então que o sotaque do mesmo empregado era também ele estrangeiro mas bastante familiar. Carregado nos “erres” e meio cantarolado. Todos os anos, por altura das férias grandes, rumavam a Portugal e principalmente ao Norte do país, e a minha terra em particular milhares de imigrados na França que foram em busca de uma vida melhor e traziam como legado um sotaque afrancesado…
Resolvi levantar-me e caminhei para os toilletes onde a mulher loira ainda permanecia….

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