sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

Capítulo III (C)

A casa do João ficava a uns escassos 5 min. a pé da praia. No alinhamento da varanda podia ver-se o mar por entre os intervalos das casas que ficavam na rua marginal.
O exterior parecia modesto para não dizer mesmo degradado e destacava-se um pequeno jardim perfeitamente arranjado com flores de todas as variedades. Durante as nossas conversas, tinha descobrido que a casa fora herança de um tio:
- Chamava-se Amadeu e foi um grande historiador aqui da zona de Sintra e Lisboa.
Quando falava no nome do tio, a sua expressão enchia-se de nostalgia e respeito, como se o seu espírito continuasse presente em cada palavra que proferia. Daí foi fácil de deduzir quem influenciou a carreira do João.
- Sempre foi como um pai para mim. Sempre que tinha algum período de férias, vinha para aqui para a praia das maçãs. E em palavras demoradas como os nossos passos relatava as suas aventuras por ruínas em Sintra, visitas a museus e palácios, viagens no tempo através dos muitos livros que faziam parte do repertório do tio e reuniões culturais com outros historiadores, políticos e homens da ciência que passavam por lá na altura do verão, em longos e demorados debates, nada extenuantes.
Atravessamos a bonita calçada do jardim em direcção à soleira da porta e preparei-me mentalmente para entrar naquela casa. Fui imaginando uma casa de mobiliário antigo e corroído pelo tempo com velhos livros cambaleando pelas superfícies cobertas de pó, numa total desarrumação e sujeira típica de homem que vive sozinho (pelo menos foi o que o João me assegurara).
Entramos.
Não podia estar mais enganada. O hall tinha estava reduzido ao mínimo necessário. A um canto ficava um armário com cabide para onde o João atirou as chaves num gesto preciso que revelava o hábito com que o fazia, evidenciado também pelos riscos na madeira. Dali podíamos entrar para a cozinha ou para um corredor ou para uma sala.
- Vou só mudar de roupa, dá-me um segundo. – e dirigiu-se para a sala.
Perplexa pensei que por preguiça guardava a roupa em algum cadeirão na sala.
Adivinhando os meus pensamentos o João respondeu – a arquitectura desta casa oi toda planeada pelo meu tio.
- Esta sala foi fruto do seu desejo de fazer uma viagem na história, todas as noites antes de repousar. Aquelas palavras saiam-lhe como se fosse um desejo partilhado por ambos – De modo que temos obrigatoriamente que passar por aqui antes de entrar para os quartos – e apontou-me umas escadas que ficavam no canto mais escuro da sala. Mais perto da janela via-se um cadeirão aparentemente confortável, desgastado pelo tempo e pelo traseiro de todos que por lá passaram. Ao lado ficava uma pequena mesa de apoio.
Um contínuo de armários negros com portas de vidro por onde podíamos observar lombadas de todas as idades e feitios cobria todo o perímetro da sala à excepção de um quadro onde se podia ver um senhor de idade com uma criança.
- Foi o meu tio que o pintou – disse quando me viu a contemplar o quadro – um autoretrato. E aquele miúdo sou eu! - completou.
Tinha um aspecto querido, tal como o tio com as suas barbas brancas que me faziam lembrar o Pai Natal.
Um dos armários, junto das escadas, num recanto mais escuro e onde não chegava nenhuma das luzes da sala ostentava uma robustez que não era partilhada pelos seus vizinhos. As portas de vidro escurecido tinham a toda a volta uma borracha isolante, com se o seu conteúdo quisesse sair por ali. Era impossível ver o seu interior.
- Vou subir!
- Até já! – Retorqui enquanto continuava a explorar aquele espaço, sem lhe perguntar se queria companhia. De qualquer modo já tínhamos tido acção suficiente para aquele dia, certamente não ficaria chateado.
Dei mais uma volta contemplando todas a prateleiras. Uma mesa baixa com vários puffs de meados do século completavam o mobiliário.
Voltei ao armário misterioso e num abuso de confiança preparei-me para abrir a porta.
- Nãoooooooo! - Exclamou o João enquanto descia as escadas num salto.
O grito fez-me recuar perplexa e assustada. A expresso da sua face demonstrava um horror que eu não imaginara.
Imediatamente se recompôs: Desculpa mas o conteúdo desse armário é valiosíssimo. O meu tio guardou textos e relíquias com centenas de anos. Estão aí guardados para não se degradarem.
- Desculpa - voltou a repetir. Deveria ter-te avisado.
- Eu é que peço desculpa – rertorqui. Senti-me verdadeiramenrte estúpida – Foi uma falta de educação da minha parte.
- Bem, não vamos pensar mais nisso.
- Sabes que até uma cópia de alguns textos de da Vinci estão ai guardados – gabou-se num tom altivo colocando o dedo em frente da boca num gesto de segredo.
Subitamente ficou pensativo e voltou-se para mim num tom expressivo:
- deixa-me ver esse papelinho…

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